Henrique Emanuel de Oliveira nasceu em 1995, em Feira de Santana, na Bahia. Mudou-se para São Paulo em 1998 e é professor de língua portuguesa desde 2016. Co-autor, junto de Henrique Artuni, do livro Sedimento do Mundo: uma geografia sentimental de Carlos Drummond de Andrade (no prelo).
Brilha uma estrela
Abafando a zoada de um carro recém ligado
em simpatia com o engasgo de uma geladeira,
São Bernardo parece ter inventado o silêncio.
E nos sobrados, sobre os latidos e sobre as vidas
que repousam cansadas seus cartazes vencidos
algum fôlego malfadado tem se pendurado.
(Falo de qualquer tentativa escondida ou invisível
triscada pelo nosso exílio de querer morrer
Essa busca que penso ser o mais novo amor).
E por isso, quando chegam os finais de semana,
as mãos se entrelaçam na força da carne tensa
ocupando a noite envelhecida nesta quentura
para ver o céu revelado numa só estrela.
E na fabulação das futuras vigas erguidas
vive o olhar voltado ao último astro da cidade
branco, alto e mais luminoso que todos os já vindos
estimando o então amor nos dizeres: mercedes-benz.
Contrapeso
Enquanto tranquilamente o açúcar
vai se embaralhando pelo café
um resto duro do rádio de pilha
fartura em nossos corações terrosos
os deuses desta cidade míope.
O noticiário nos atravessa
Ontem embarcações levando ferro
atracaram mais uma vez na China
Aço puro e o fim do homem serão feitos
Compraremos pão e uma caneta azul.
Pedra e boi
Uma pedra,
sou essa pedra
ou um boi?
postos no roçado,
comuns em pesar:
boi é pedra e pedra é boi.
Não se concentrem nesses corpos
Busco a alma do inarredável,
tento ser o gozo da pedra,
fugindo das convicções,
encharcados pelo silêncio,
segurando o peso do Sol.
Se o boi percebe toda urgência
das suas certezas em vida,
sou a própria certeza do boi
Ao acatar o canto do peão,
sou o mínimo entendimento
entre boca, orelha e trote.
Só hoje foi possível ter
o que deste tempo comi
em forma de medo e desejo
Boi andando no latifúndio,
pedra preenchendo o vazio
das ruas rumando ao enfado.
Sou a pedra e também sou o boi
Do coito feito na aspereza
explode essa literatura
das letras achadas na terra
Ocas demais para gracejar
as fraturas do nosso mundo.